Imagem e paramento de Santa Brígida

 

 

Santa Brígida nasceu entre 451 – 452 d.C. e é a padroeira da Irlanda. A sua biografia, porém, apresenta algumas divergências, aparecendo como sendo natural da Escócia sob a designação de Bride ou até como portuguesa nascida em Lisboa, filha de uma lusitana chamada Broca, que foi levada por piratas para a Irlanda, onde foi escravizada e ainda como tendo nascido no século VI d.C., martirizada às mãos de invasores bárbaros.

A partir de 380 d.C., quando o cristianismo foi constituído como a religião oficial do Império Romano, a maior parte dos templos pagãos acabaram por ser destruídos ou convertidos em locais de culto cristão e, em alguns casos, registou-se a substituição de nomes dos deuses pagãos por nomes de santos. Tal facto sucedeu com Brigite, a deusa celta protetora dos ferreiros, dos artistas e dos agricultores e senhora da fertilidade, do fogo, da vida e da morte, que foi inspirada pela pregação de São Patrício – o introdutor do cristianismo na Irlanda – e cristianizada como Santa Brígida.

De acordo com Gabriela Morais o culto a esta deusa «seria de difícil erradicação», visto que a «sua veneração estender-se-ia a todo o arco atlântico, da Península Ibérica a França, até às ilhas Britânicas», havendo ainda vestígios do seu «passado pré-cristão e pré-romano em regiões da Itália, da Áustria ou da Alemanha». Razão que justifica a existência de outras designações de divindades, que diferem conforme as várias regiões europeias, mas que se relacionam com a deusa irlandesa, como por exemplo Bride, Brigantia, Brigância. Para além disso, Brigite está também associada às divindades da água, sendo conhecidos alguns hidrónimos onde essa presença se vai manifestar em zonas como a Grã-Bretanha, Alemanha e Algarve, particularmente em Monchique. A autora supracitada explica que «a deusa Brigite assume, por vezes, o nome de uma outra deusa céltica da fertilidade, das águas e da soberania, Boand, Boann ou Boyne, identificada com o rio irlandês Boyne. E parece que a vamos encontrar no Algarve, no hidrónimo Boina, ribeira que nasce nas nascentes termais de Monchique, que manteve a sua sacralização também na época romana».

Assim, a cristianização da santa manteve não apenas o nome, mas também os milagres, as crenças e os atributos da deusa Brigite. Um dos principais elementos iconográficos da imagem de Santa Brígida é um prato ou vaso de onde irradiam chamas. O fogo é um elemento presente na vida da santa, pois registaram-se várias maravilhas em que alfaias agrícolas ou edifícios, como igrejas, que lhe pertenceram ou que foram tocadas por ela, não tiveram danos físicos aquando da ocorrência de incêndios. À semelhança da sua homónima pagã, também Santa Brígida é guardiã do fogo e, por isso mesmo, ambas são padroeiras dos ferreiros. O fogo é também o símbolo da sabedoria e conhecimento, o que faz de Santa Brígida a protetora dos artistas, poetas e músicos. A própria cruz de Santa Brígida, que é outro elemento recorrente na sua iconografia, está relacionado com o fogo, pois constitui uma tradição dos irlandeses, que todos os anos no mês de fevereiro têm o hábito de a refazer e colocar no teto da casa para afastar os incêndios.

A regeneracao e a cura é outro dos atributos de Santa Brígida e que vem revelar o seu poder sobrenatural. Já em épocas proto-históricas a deusa Brigite tinha sido eleita patrona da guerra em comunidades que a tinham como mentora, pelo facto dela ter regenerado as feridas a um homem que tinha sido atacado por um inimigo. Em contexto semelhante, conta-se que Santa Brígida deu a vida a um homem que foi assaltado e degolado por três indivíduos que, ao saberem que a vítima estava viva, «retornaram ao local do assassínio, procuraram no esconderijo a cabeça ali deixada e não encontraram qualquer vestígio do acto cometido». Além deste, são conhecidos outros milagres promovidos pela santa, desde revivescer plantas secas e dar a vida a animais mortos como proceder à cura de cegos, mudos, surdos, leprosos, paralíticos, entre outras enfermidades.

Outra semelhança com a deusa pagã é a intervenção pela água enquanto símbolo da fertilidade. Santa Brígida é também a padroeira dos agricultores, dos pastores e do mundo rural, onde aquele elementoé presença fundamental. Esta santa, que também aparece referenciada como pastora e camponesa, tem o poder de fazer gerar água em sítios de difícil acesso e «dominar as águas em excesso, quer sejam as dos rios ou as da chuva, que podem arruinar as colheitas, os trabalhos de cultivo dos campos ou a pastorícia; assim, os rios abrem-se para a passagem do seu gado, ou ela faz brilhar o sol no meio da chuva que cai em demasia, quando isso é necessário para garantir o bom sucesso do trabalho rural». Este seu atributo coaduna com vários momentos de multiplicação de alimentos, sobretudo em tempos de escassez e de fazer aumentar o número de ovelhas, porcos ou vacas nos rebanhos que ela ou os seus seguidores pastoreavam.

Em Monchique existiu uma ermida consagrada a Santa Brígida. O templo com esta invocação é dos mais antigos da freguesia, pois no início do século XVII já aparecia referenciado na «História do Reino do Algarve» (1607) de Henrique Fernandes Sarrão. Ao situar o lugar de Monchique «no vale de duas serras altíssimas» com «trezentos moradores», o historiador informa que «a um tiro de besta deste lugar está ua ermida de Santa Brizida, onde dizem que foi antigamente templo dos romanos». Pelas Memórias Paroquiais de 1758, sabe-se que foi um dos edifícios que «padeceu ruína» pelo terramoto de 1755. Contudo, esta ermida terá sido reconstruída, uma vez que  vem citada nas várias visitações dos bispos do Algarve a esta localidade, nos anos que se seguiram. Após as lutas liberais, o edifício perdeu a sua função religiosa e acabou transformado em casa de habitação e celeiro, cujas ruínas e alicerces ainda podem ser observados na atualidade.

A imagem de Santa Brígida, em exposição no polo museológico de Arte Sacra, data do século XVII e é feita em madeira policromada. Esteve recolhida na ermida do Senhor dos Passos e, mais tarde, no coro alto da Igreja Matriz. José Gascon acredita que a iconografia de Santa Brígida representa «um vaso do seu sangue numa das mãos e a palma do martírio na outra». Contudo, face ao anteriormente exposto e por não se encontrar indícios concretos quanto a uma eventual martirização de Santa Brígida, acredita-se mais na possibilidade do atributo vermelho simbolizar um recipiente de onde sairiam chamas, até porque parece faltar-lhe um elemento que encaixaria naquele; e a palma do martírio, visto ser amovível, poderá ter sido colocada posteriormente, sendo possível que no seu lugar estivesse a cruz de Santa Brígida.

O paramento romano vermelho atribuído à ermida, ainda em bom estado de conservação, encontra-se guardado na Igreja Matriz e teria, segundo José Gascon «a marca de Santa Brígida». De acordo com a respetiva ficha de inventário as vestes são constituídas por uma «casula romana de damasco de seda vermelha debruada a galão largo de seda amarelo» e por  «duas estolas e dois manípulos», no mesmo material.

 

       Paramento pertencente à ermida de Santa Brígida, guardado na Igreja Matriz de Monchique

 

 

Bibliografia:

GASCON, José António Guerreiro (1993). «Subsídios para a Monografia de Monchique», 2.ª edição (facsimilada), Algarve em Foco Editora, Faro;

GUERREIRO, Manuel Viegas, MAGALHÃES, Joaquim Romero (1983). «Duas Descrições do Algarve do Século XVI» in «Cadernos da Revista de História Económica e Social», nº3, Sá da Costa Editora, Lisboa;

LAMEIRA, Francisco I. C. (1997). «Inventário Artístico do Algarve – A Talha e a Imaginária. XIV – Concelho de Monchique», Delegação Regional do Algarve do Ministério da Cultura, Faro;

MORAIS, Gabriela (2011). «Lisboa guarda segredos milenares. Santa Brígida, uma Deusa Céltica no Lumiar», Apenas Livros Lda, 1.ª edição, Lisboa;

SAMPAIO, José Rosa (2008). «Antigas Igrejas e Conventos do Concelho de Monchique», edição de autor, Monchique.

 

Elaborado por: Ana Rita Mateus